Gestão Humanizada e Participativa


 

Introdução

Vivemos uma época marcada por rupturas simultâneas: ambientais, sociais, tecnológicas e emocionais. Frente a essas instabilidades, a forma como lideramos e organizamos o trabalho precisa ser repensada de maneira profunda. O modelo de gestão que se sustenta apenas em metas, controle e eficiência não basta mais. Como lembra o pensador francês Edgar Morin (2000), “é necessário reformar o pensamento para reformar a ação”.

A gestão contemporânea precisa abraçar a complexidade. Isso significa incluir o humano — com seus sentimentos, saberes e limites — no centro da cultura organizacional. Nesse sentido, ganha corpo e relevância a proposta de uma gestão humanizada e participativa, que articula empatia, diálogo e corresponsabilidade como fundamentos éticos e operacionais.

Este artigo tem como objetivo apresentar os conceitos e práticas associados à gestão humanizada e participativa, discutir sua relevância na atualidade e propor caminhos concretos de implementação.

A Superação do Modelo Gerencialista

Por décadas, predominou nas organizações o modelo gerencialista, pautado pela lógica da eficiência, pela hierarquização vertical e pela despersonalização das relações. A "máquina organizacional" deveria funcionar de modo automatizado, onde o ser humano era um recurso — e não um sujeito.

Domenico De Masi (2003) já apontava esse paradoxo: enquanto a economia criativa exigia sensibilidade e cooperação, a gestão insistia em padrões de comando e controle. A consequência, hoje visível, é uma profunda crise de sentido no trabalho, com altos índices de esgotamento mental, evasão de talentos e desengajamento.

Segundo dados da Gallup (2023), apenas 23% dos trabalhadores no mundo se dizem engajados com suas atividades. No Brasil, esse número cai para menos de 15%. Esses números revelam que algo está estruturalmente errado na forma como se lidera.

A Gestão Humanizada como Prática Ética

A gestão humanizada emerge como alternativa ética e pragmática. Trata-se de reconhecer a pessoa como o valor fundamental da organização. Como nos ensina Bell Hooks (2003), "o cuidado é uma prática política" — e cuidar das relações de trabalho é também transformar as estruturas de poder.

A gestão humanizada pressupõe:

  • Escuta ativa e empatia;
  • Criação de ambientes emocionalmente seguros;
  • Valorização da diversidade e das experiências subjetivas;
  • Reconhecimento e desenvolvimento de potencialidades;
  • Relações pautadas pelo respeito e pela transparência.

Peter Senge (2006), em sua teoria das organizações que aprendem, reforça a importância da escuta e da criação coletiva de sentido. Segundo ele, “a verdadeira liderança é a capacidade de criar novas realidades”.

A Participação como Fundamento da Inovação

Não há gestão humanizada sem participação. A gestão participativa é aquela que rompe com a lógica verticalizada do poder e distribui a autoria das decisões. Nesse modelo, a liderança não é monopólio: é partilha.

Participar é mais do que ser consultado: é ser protagonista da construção coletiva. Isso implica:

  • Transparência nos processos;
  • Coautoria de metas e projetos;
  • Abertura institucional à crítica e à sugestão;
  • Autonomia com responsabilidade compartilhada.

A participação estimula o pensamento crítico, a criatividade e o pertencimento. De acordo com o relatório da Deloitte (2022), ambientes participativos apresentam até 29% mais inovação e 37% maior retenção de talentos.

Caminhos para uma Transformação Viável

A transição para uma gestão mais humana e participativa exige comprometimento, formação continuada e coragem institucional. Abaixo, propomos cinco práticas que podem orientar esse processo:

1. Instituir espaços regulares de escuta

Rodas de conversa, fóruns abertos, assembleias horizontais ou canais de escuta ativa devem fazer parte da rotina institucional. A escuta deve ser estruturada, mas não controladora. Deve abrir espaço real para o desconforto e a diferença.

2. Cocriação de objetivos e metas

A participação nas decisões estratégicas aumenta o engajamento e a legitimidade das ações. Quando os colaboradores contribuem na definição das metas, passam a se sentir corresponsáveis pelos resultados. Mas, na verdade, isso exige coragem. E nem sempre as pessoas estão aptas e dispostas a compartilhar suas habilidades e competências, bem como suas fragilidades e fraquezas.

3. Feedback contínuo e compassivo

É essencial construir uma cultura de feedback que valorize o diálogo, o cuidado e a melhoria contínua. O feedback não deve ser instrumento de punição, mas de aprendizado mútuo.

4. Formação de lideranças empáticas

Liderar com humanidade exige formação em temas como comunicação não violenta, justiça relacional, mediação de conflitos, escuta ativa e inclusão. O líder é um formador de cultura — e precisa estar preparado para isso.

5. Cuidado com o ambiente emocional

A saúde emocional das equipes precisa ser prioridade. Ambientes que negligenciam o cuidado emocional cultivam medo, silêncio e retraimento. Já os que valorizam o bem-estar geram coragem, confiança e inovação.

Considerações Finais

A gestão humanizada e participativa é mais do que uma técnica — é uma filosofia de relação com o outro e com o mundo. Em tempos de crise civilizatória, esse modelo representa uma esperança ativa de reconstrução do trabalho como espaço de dignidade, aprendizado e pertencimento. Como sintetiza Edgar Morin (2004), “a ética não pode ser separada da complexidade”. E, nesse sentido, a gestão é hoje um dos principais campos onde se disputa o futuro: ou seguimos reproduzindo lógicas de exclusão e silenciamento, ou abrimos caminhos para formas mais justas, humanas e coletivas de viver e trabalhar. Por fim, deixamos um poema escrito em 2020 intitulado "Falsa Matemática" em que observamos a dimensão entre o EU e o OUTRO.

"Eu e o Outro/ O outro no outro/ Que há em mim/ E não há no outro/ Que há no outro/ Que foge d’outro/ Dificil divisão/ Falsa matemática/ Falsa matemática/ Esse estar social/ Essa incómoda necessidade/ Essa habitação inútil do ser/ Do ter sem ser/ Do ser sem antes estar/ Ficar presente. Agir agora/ É hora, é passada a hora/ O grito continua solto no ar".

Referências Bibliográficas

  • De Masi, Domenico. (2003). O Ócio Criativo. Rio de Janeiro: Sextante.
  • Deloitte. (2022). Global Human Capital Trends Report.
  • Gallup. (2023). State of the Global Workplace Report.
  • hooks, bell. (2003). Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes.
  • Morin, Edgar. (2000). Os sete saberes necessários à educação do futuro. UNESCO.
  • Morin, Edgar. (2004). A Cabeça Bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Bertrand Brasil.
  • Senge, Peter. (2006). A Quinta Disciplina: arte e prática da organização que aprende. Rio de Janeiro: BestSeller.

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