O Deleite de ler um bom texto e de assistir um bom espetáculo.

 


Foram curtos dias de recesso, mas pude rever alguns livros na minha estante, especialmente os de teatro. Pude mexer e remexer na minha própria dramaturgia com a esperança de levar aos palcos, em 2025, uma peça chamada “E Eu joguei flores nas minhas memórias” e um livro de poemas “Novelos do Tempo”. Faço, em 2026, 40 anos de atividade cultural escrevendo, produzindo e atuando como escritor e gestor. A cabeça fervilha com ideias e o corpo pulsa com a vontade de realizar.

E, nessa revisita aos escritos teatrais, vou refletindo e me deleitando como gostoso é ler um bom texto. Também como essencial é exercer essa arte da escrita, pois, costumo dizer que o teatro é arte do homem contando a história do homem para outro homem. Então, o teatro transcende as barreiras do tempo e do espaço, capturando a essência da experiência humana de maneira única e singular. A dramaturgia é a arte de tecer palavras que se transformam em vida aos olhos do espectador. Daí a importância da dramaturgia para a história da humanidade é inegável: ela não apenas reflete a realidade, mas molda nossa percepção de mundo e do mundo e nos conduza para o mais profundo de nós mesmos.

Assim, desde os mais antigos tempos, o teatro tem sido um espelho da sociedade, um espaço onde os dilemas morais, os conflitos sociais e as paixões humanas são explorados e discutidos. Os gregos antigos, pioneiros na dramaturgia ocidental, usavam a arte de representar para investigar questões filosóficas e políticas. As tragédias de Sófocles, como “Édipo Rei”, e as comédias de Aristófanes, como “As Nuvens”, abordavam temas que permanecem atuais: a busca pela verdade, a corrupção do poder e as falhas da natureza humana.

Todavia a dramaturgia não apenas retrata a época em que foi criada, mas antecipa e influencia o futuro. Durante o Renascimento, Shakespeare elevou a dramaturgia a novos patamares com suas peças que exploravam a complexidade da condição humana. Suas obras como “Hamlet”, “Macbeth” e “Romeu e Julieta” não apenas capturaram os valores e tensões da Inglaterra elisabetana, mas também forneceram insights profundos sobre questões universais que ressoam até hoje.

No Brasil, a dramaturgia tem sido uma força poderosa na formação de uma identidade cultural. Desde os autos de Anchieta, que misturavam elementos religiosos e culturais indígenas, até os textos de Nelson Rodrigues, que expuseram as hipocrisias da sociedade brasileira. Rodrigues, em particular, trouxe à tona os dilemas morais e os segredos escondidos no cerne da família brasileira, criando personagens tão vivos quanto qualquer ser humano de carne e osso. “Beijo no Asfalto”, com a última cena expondo um beijo entre dois homens escandaliza a elite tradicional e puritana do Brasil. Alguns anos depois foi adaptado para o cinema e televisão com os atores Tarcísio Meira e Ney Latorraca; este que recentemente nos deixou).  Já Plinio Marcus, outro sujeito que fez sangrar as feridas da moral e bom costume com Navalha na Carne e Dois Perdidos Numa Noite Suja, com interpretações brilhantes de Emiliano Queiroz, Tônia Carrero e Nelson Xavier. Nosso querido Emiliano igualmente um ator plural e original na forma de recitar um texto.

E falando de Ceará, tivemos o genial jornalista e dramaturgo Eduardo Campos com “Os Deserdados”, “Morro do Ouro”, “Nós, a testemunhas” e mais, desnudando a realidade cearense e levando para o palco do Theatro José Alencar assuntos proibidos de quem frequentava o Ideal Clube.

Autores como Anton Chekhov, Henrik Ibsen e Samuel Beckett também deixaram marcas profundas na dramaturgia mundial. Chekhov, com suas peças intimistas como “O Jardim das Cerejeiras”, explorou os silêncios e as nuances da vida cotidiana. Ibsen, considerado o pai do teatro realista moderno, desafiou convenções sociais em obras como “Um Inimigo do Povo”. Beckett, com seu minimalismo em “Esperando Godot”, redefiniu as fronteiras do teatro, questionando a própria existência.

Mas o que torna um texto teatral tão poderoso? O que o torna é, acima de tudo, sua capacidade de se comunicar com o público. Pois diferente da literatura ou do cinema, o teatro é um evento ao vivo, uma experiência compartilhada entre atores e espectadores. E a dramaturgia é o ponto de partida desse encontro. Um bom texto não é apenas uma coleção de palavras; é uma porta de entrada para novos mundos, um convite para pensar, sentir e imaginar.

A magia do teatro está na sua efemeridade: cada apresentação é única, um evento que nunca pode ser completamente reproduzido. A dramaturgia, no entanto, é o elemento permanente que preserva essas histórias e lhes dá vida através dos tempos. Graças aos textos dos dramaturgos, podemos revisitar as ideias e as emoções de épocas passadas, aprendendo com elas e aplicando seus ensinamentos ao nosso presente e futuro.

Há também o teatro como espaço para a experimentação e a inovação. Dramaturgos contemporâneos como Sarah Kane, com suas obras intensas e provocativas, e Lin-Manuel Miranda, que reinventou o gênero musical com “Hamilton”, continuam a desafiar as convenções e a expandir as possibilidades do teatro. Esses autores mostram que a dramaturgia não está presa ao passado; ela é uma arte viva, em constante evolução.

Enfim, a importância da dramaturgia para a história da humanidade está na sua capacidade de registrar momentos históricos e culturais de maneira singular. Durante o período do Iluminismo, o teatro era usado como um meio para disseminar ideias revolucionárias. Beaumarchais, com “As Bodas de Fígaro”, criticou as desigualdades sociais da França pré-revolucionária, enquanto Bertolt Brecht, no século XX, usou o teatro épico para questionar as estruturas de poder e encorajar a reflexão crítica.

No contexto brasileiro, o Teatro do Oprimido, criado por Augusto Boal, é um exemplo brilhante de como a dramaturgia pode ser uma ferramenta de transformação social. Boal desenvolveu técnicas que permitiram que comunidades marginalizadas expressassem suas experiências e buscassem soluções coletivas para seus problemas. Sua abordagem inventiva e inovadora transformou o teatro em um instrumento de empoderamento e mudança.

Em suma, ao mergulharmos em um bom texto de teatro, somos convidados a refletir sobre nossa própria condição, a compreender os outros e a imaginar mundos melhores e piores. Portanto, a dramaturgia continua a ser uma das formas mais poderosas de expressão artística e um tesouro inestimável para a história da humanidade. Viva os autores, os realizadores! Viva o teatro.

 

Caio Quinderé

Vice-presidente da Academia Cearense de Teatro

Cadeira nº 3 – patrono Eduardo Campos

 

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