O Homem Está por Conta do Homem: Os Novos Desafios da Humanidade na Era da Transformação
Vivemos um tempo de profundas rupturas e renascimentos. As estruturas antigas — políticas, econômicas, sociais e espirituais — estão cedendo espaço a uma nova configuração global ainda em formação. No centro desse processo, surge uma constatação poderosa: o homem está por conta do Homem. Isso significa que não há mais deuses externos, ideologias salvíficas ou sistemas automáticos de segurança que nos sustentem. Cabe a nós, enquanto humanidade, cuidarmos uns dos outros e da Terra que habitamos. Cabe a nós, enquanto indivíduos, entendermos que existe espaços internos e "a busca da liberdade está em compreendermos nossos abismos" como nos alerta o professor e matemático Ubiratan D'Ambrósio. Cabe a nós, enquanto coletivo, percebermos os espaços e os silêncios, os tempos e os movimentos dos outros e das coisas que nos rodeiam. O diálogo é uma lógica contemporânea cada vez mais necessária para a sustentabilidade social, cultural, ambiental e econômica do planeta.
A Nova Era: Transição de Consciência
A chamada Nova Era não se limita a uma tendência esotérica ou espiritual. Ela representa uma transição de paradigmas. É a passagem de uma visão mecanicista, linear e fragmentada da realidade — típica da modernidade — para uma visão sistêmica, integradora e sensível à complexidade da vida.
Essa transição toca aspectos emocionais profundos do ser humano. Sentimentos como ansiedade, insegurança e angústia emergem em meio ao colapso de certezas. Mas, ao mesmo tempo, há uma abertura crescente para valores como empatia, solidariedade, autorresponsabilidade e busca interior. O mundo externo está em caos, mas muitos estão voltando-se para dentro — e essa é uma das marcas mais notáveis da Nova Era.
Mesmo que forçosamente - como no período da pandemia COVID 19, em que as pessoas tiveram que encontrar consigo mesmo e reconhecer, delimitar e conviver com fronteiras sensíveis do SER e do ESTAR no mundo. Tudo isso se traduz em um aprendizado rico, precioso, válido e agregador para quem se permite entender e participar. Todas as coisas, como as moedas, têm duas faces visíveis reais e concretos e até possivelmente criativas e imaginativas.
E, por um lado aceitando o que Ricardo Reis, uns dos heterônimos de Pessoa nos diz, por outro negando e buscando ser além - entendemos que "a realidade sempre é mais ou menos do que nós queremos. Só nós somos sempre iguais a nós próprios". Seguimos. De modo, talvez não mais às cegas.
Edgar Morin e a Epistemologia do Sul
Nesse cenário, o pensamento do filósofo francês Edgar Morin oferece chaves valiosas. Em sua crítica à razão ocidental moderna, ele propõe uma nova forma de conhecer o mundo, mais conectada com a diversidade cultural, afetiva e espiritual do Sul global. A chamada “Epistemologia do Sul” (termo também desenvolvido por Boaventura de Sousa Santos, com quem Morin dialoga) propõe que os saberes não ocidentais — indígenas, africanos, orientais, comunitários — sejam valorizados e reconhecidos como legítimos.
Para Morin, o conhecimento deve ser complexo, ecológico, ético e autocrítico. Devemos abandonar o reducionismo científico que nos trouxe até aqui — e que ao mesmo tempo gerou progresso e destruição — e adotar uma visão transdisciplinar e compassiva. Em outras palavras, é preciso unir razão e sensibilidade, ciência e espiritualidade, ação e contemplação.
A Crise é Sistêmica — e a Transformação Também
A atual crise global — marcada por desigualdades extremas, emergência climática, colapso político e guerras culturais — não é apenas uma crise de um sistema econômico ou político específico. É uma crise civilizatória. O modelo de desenvolvimento baseado em competição, dominação e exploração está falido e isso bate em nossas portas fortemente. A todo instante, exigindo de nós um malabarismo constante. E " o bêbado e o equilibrista" em outro diapasão, numa nova ordem mundial-social.
Assim, visivelmente, a todo tempo e em todo canto, emergem novas formas de organização social e econômica: redes colaborativas, economias regenerativas, espiritualidades livres, pedagogias libertadoras, e uma política que busca reencantar e reencenar a vida pública. A espiritualidade contemporânea está cada vez mais desinstitucionalizada e voltada à autotransformação, ao serviço ao outro e à comunhão com a natureza. Carrego sempre comigo o poema "Eu e o Outro, o que há em mim e não há no outro. O que há no outro e foge d'outro. Difícil divisão. Falsa Matemática." EU-OUTRO-NATUREZA, esse é o desafio da humanidade na Era da transformação planetária.
Geopolítica em Reconfiguração
No campo internacional, vemos uma intensa transformação geopolítica e comercial. A hegemonia unipolar dos Estados Unidos está sendo desafiada por potências como China, Índia e Rússia. O Sul global se articula em novas alianças e blocos comerciais, como os BRICS ampliados, buscando maior autonomia frente às velhas potências coloniais. O Brasil é um dos países mais promissores do mundo tanto por suas riquezas naturais quanto por sua configuração étnia-racial, bem como por sua prepositiva progressista e pacificadora.
Essa mudança de eixo também reflete um cansaço com os valores ocidentais tradicionais, muitas vezes associados ao individualismo, à alienação tecnológica e à destruição ambiental. Surge um novo desejo de equilíbrio, onde culturas locais e identidades plurais ganham voz no cenário mundial. A espiritualidade alinhada a ancestralidade, antes relegada ao privado, volta a ocupar espaço no debate público — não como dogma, mas como fonte de ética, sentido e reconexão. E a frase do líder indígena, ambientalista e escritor Airton Krenak se afirma "o futuro é ancestral". Não é paradoxal, é realidade aos olhos de quem sabe ler.
A Responsabilidade Humana Integral
Na Nova Era, não há mais espaço para delegações inconscientes. O homem está por conta do Homem. Isso significa:
- Responsabilidade emocional: cuidar da própria saúde psíquica, cultivar vínculos saudáveis, compreender as emoções como bússolas.
- Responsabilidade social: atuar com justiça, solidariedade e consciência de classe; entender-se parte de um tecido coletivo.
- Responsabilidade espiritual: buscar sentido, não em dogmas, mas na experiência direta com o mistério da vida e no serviço ao bem comum.
- Responsabilidade ecológica: agir com reverência diante da Terra, rompendo com a lógica do consumo predatório.
Um Chamado à Consciência
A Nova Era não virá de fora. Ela já está dentro de nós, esperando ser despertada. O mundo está se transformando — e essa transformação pede de nós coragem, lucidez e coração.
Como afirmou Edgar Morin:
“A via do futuro é a via da metamorfose. Não é uma revolução no sentido tradicional, mas uma transformação profunda, interna e externa, individual e coletiva.”
Somos chamados a participar dessa metamorfose. Não mais como espectadores, mas como coautores do mundo que queremos ver nascer.
Comentários
Postar um comentário